Aprendizagem de Língua(s) Estrangeira(s) na Infância – Benefícios e Desafios
- Ana Jacob
- 29 de jun. de 2020
- 5 min de leitura

A tendência mercadológica chamada de educação bilíngue, aliada ao anseio dos pais de verem seus pequenos se tornarem bilíngues ainda na infância fez com que administradores investissem em uma nova área da educação: a pré-escola com programas bilíngues.
Em suas pesquisas Baker (2006) afirma que há algumas décadas profissionais como: professores, médicos, fonoaudiólogos, psicólogos educacionais e outros, não aconselhavam aos pais criarem seus filhos bilíngues, pois problemas como: confusão mental, dificuldade na aquisição do idioma principal, conflitos de identidade, alienação e, até mesmo esquizofrenia, poderiam se desenvolver.
Fazendo um contraponto a essa opinião e numa escala mais moderna Espinosa (2012), em seu estudo, referenciou-se em Petitto e Dunbar, (2004), para falar que não existem desvantagens no bilinguismo precoce, ao contrário do que o senso comum prega, a exposição precoce a uma segunda língua pode favorecer as habilidades linguísticas e cognitivas. A exposição a duas línguas na verdade seria o fator facilitador na aquisição da leitura, pois crianças bilíngues desenvolvem uma consciência acerca dos fonemas chaves o que é essencial no processo de leitura.
Muitas pesquisas têm se desenvolvido na área da educação bilíngue, e estudos recentes provam os benefícios produzidos pelo bilinguismo. Espinosa (2012), em sua apresentação na conferência denominada Association of American Schools in South America – AASSA (Associação de Escolas Americanas na América do Sul), em 2011, elaborou o trabalho Ten Key Factors that Influence Successful Bilingualism and Multilingualism (Dez Fatores Chaves que Influenciam o Bilinguismo e Multilinguismo de Sucesso), no qual discorre sobre os beneficios do bilinguismo em diferentes esferas, apresentados no Quadro 4 abaixo.
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Cognitivos: aprimora as habilidades do pensamento (consciência metalinguística, criatividade e facilidade para se comunicar).
Social: integração e apreciação de outras culturas.
Econômico: comercialização de habilidades bilíngues, reconhecimento da necessidade de bilíngues por parte dos empresas e governos.
Pessoal: bem-estar psicológico, autoconfiança, autonomia e ligação com suas raízes.
Comunicação: alfabetização em três línguas facilita o acesso à literatura, maior network e habilidades internacionais.
Cultural: aumenta a tolerância, diminui o racismo, pensamento intercultural mais desenvolvido.
Acadêmico: facilidade para aprender uma terceira língua, aprimoramento do currículo – impacto em outras disciplinas.
Na mesma apresentação, a autora ainda dissertou sobre os promissores resultados de pesquisas que relacionam o cérebro e o multilinguismo, apontando que o cérebro de pessoas multilíngues processa a língua de uma maneira diferenciada. Essa dinâmica diferenciada no cérebro multilíngue pode fazer com que a doença de Alzheimer se retarde por até quatro anos. Esses são alguns dos resultados bem positivos que uma educação bilíngue pode trazer.
Tanto pesquisadores como os pais passaram a ver o bilinguismo como algo bom, despertando o interesse de expor seus filhos, cada vez mais cedo, a uma educação bilíngue. Essa grande demanda em busca de uma educação bilíngue de qualidade, e a respeito de informações sobre o bilinguismo foi o pontapé inicial para que discussões acerca dessa modalidade de ensino surgissem.
Com base nos principais questionamentos propostos por pais ao exporem seus filhos ao ensino de uma segunda língua, Abu-Rabia e Kahat (2004) elaboram uma pesquisa, The Earlier the Better (Quanto mais cedo melhor). Em seus estudos relatam que crianças por ainda não possuírem um vocabulário extenso em sua própria língua acabam adquirindo uma segunda língua com facilidade como a língua materna, tornando-se fluentes de forma natural e acelerada. Tais habilidades podem ser notadas, segundo eles, em testes de gramática, fonologia e processo de linguagem.
O fato de as estruturas neuronais na infância ainda estarem em fase de excelente desenvolvimento é evidenciado em alguns trabalhos. O psicólogo Lenneberg (1967), na década de 60 tinha o intuito de explicar o fracasso de aprendizado em adolescentes, com a teoria da idade crítica, que defende que no período entre os 12 e 14 anos o aprendizado começa a ficar mais difícil, porém concluiu que pode haver variações de acordo com a pessoa, principalmente, relacionadas às caraterísticas do ambiente linguístico em que ocorre o aprendizado. As maiores manifestações de limitação que ocorrem nesse período são de pronúncia.
Bialystok (2008) concorda com tal posição afirmando que o bilinguismo não afeta o aprendizado das crianças e que as dificuldades que surgem ao longo do caminho são facilmente superadas pelos sujeitos expostos à segunda língua. A autora esclarece que a aprendizagem depende do ambiente e afirma que escolas bilíngues e internacionais, devido à maneira como promovem a construção das competências linguísticas e educacionais nas crianças que participam de seus projetos, são de extrema importância, pois os educandos têm a oportunidade de participar ativamente das práticas pedagógicas dentro de sala de aula, apropriando-se do seu processo de desenvolvimento através de uma língua estrangeira. Esse modelo de educação vem como uma solução para o mundo pós-moderno em que vivemos, onde se exige sujeitos críticos e autônomos e cada vez mais capacitados.
Os princípios que norteiam a educação bilíngue combinam com a teoria histórico-cultural, proposta por Vygostky. Segundo Coelho (2010, p.13) “Vygotsky insiste nos aportes da cultura, na interação social e na dimensão histórica do desenvolvimento mental”.
O autor, em sua perspectiva histórico-cultural, versa a conexão entre desenvolvimento e aprendizagem junto ao fato de o ser humano viver em meio social. Esse entendimento de desenvolvimento e aprendizagem rememora a questão sobre como mediar o desenvolvimento da criança e estimulá-lo por meio da aprendizagem e como colaborar para o desenvolvimento fluir de forma integral na criança. Sobre isto Vygotsky (1932, apud COELHO, 2010, p. 16) formula a teoria do desenvolvimento infantil.
É por meio de outros, por intermédio do adulto que a criança se envolve em suas atividades. Absolutamente, tudo no comportamento da criança está fundido, enraizado no social. [E prossegue:] Assim, as relações da criança com a realidade são, desde o início, relações sociais. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o bebê é um ser social no mais elevado grau.
De acordo com o que é proposto pelo autor, as interações com os adultos, portadores das mensagens culturais, são indispensáveis para o desenvolvimento da criança, em particular na primeira infância. Vygotsky (apud COELHO, 2010, p.16) atribui aos signos, responsáveis pela comunicação, um papel fundamental nesses intercâmbios.
Segundo Vygotsky (2001), a função social da linguagem é evidente durante o primeiro ano de vida. Porém, por volta dos dois anos de idade as curvas do pensamento e linguagem, que até então estavam separadas, encontram-se dando origem a um novo comportamento, a criança, no processo de aquisição da linguagem começa a usar a linguagem para designar objetos e procura avidamente assimilar o nome de cada coisa. Este momento é crucial, a criança começa a fazer perguntas sobre o que a cerca, como consequência ocorre o enriquecimento do vocabulário de maneira rápida e em saltos.
Para Vygotsky o desenvolvimento da linguagem domina um papel importante na formação dos sujeitos. A linguagem é essencial para a construção do sujeito como homem, pois é vista como a principal mediadora entre o indivíduo e o meio. Oliveira afirma essa tese escrevendo:
[...] a linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre os sujeitos e o objeto de conhecimento. A compreensão das relações entre pensamento e linguagem é, pois, essencial para a compreensão do funcionamento psicológico do ser humano (1993, p. 43).
Nessa ponto de vista, a criança passa a ser vista como pensante no sentido de relacionar sua ação à representação de mundo que constitui sua cultura. A escola acaba sendo o espaço destinado a colocar em prática este processo de vivência, e a metodologia de ensino-aprendizagem envolve diretamente a interação entre os sujeitos. Portanto, o cenário que temos é de que os sujeitos desenvolvem-se movidos por mecanismos mediadores de aprendizagem.
Para compreender a concepção de educação bilíngue no contexto da educação infantil é importante fazermos um apanhado histórico e político sobre esta etapa da educação básica no Brasil.
(Esse texto faz parte do meu artigo de conclusão de curso em Pedagogia, Educação Infantil Bilíngue: um estudo sobre o perfil dos profissionais que atuam na área, de 2014).
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